A quem está "em processo"

Há pouco tempo publiquei dois textos para falar sobre depressão e ansiedade, numa perspectiva mais de desenvolvimento psicológico humano do que de psicopatologia. Isso porque acredito que certos processos, por mais dolorosos que sejam, fazem parte do nosso desenvolvimento enquanto indivíduos e também como membros de uma coletividade. Claro que acredito na perspectiva psicopatológica e nas suas estratégias de intervenção. Só acho que ela nem sempre explica e resolve tudo.

Carta a quem porventura está sofrendo do mal do século - Parte I
Carta a quem porventura está sofrendo do mal do século - Parte II

Nestes textos eu não falo em diagnósticos e transtornos de humor, e sim sobre estar "em processo", que é o processo de ruptura, transformação e busca pelo equilíbrio dinâmico das nossas estruturas subjetivas. Aquela coisa de morte e renascimento, meio fênix mesmo. No caso eu comparo esse processo a uma longa caminhada solitária por um deserto, onde não conseguimos fugir do nosso próprio sofrimento, e precisamos pensar em estrategias para lidar com ele antes que ele acabe com a gente.

Pois bem, eu disse que já estive muitas vezes neste deserto e que o conhecia como a palma da minha mão. E é verdade. Só não lembrei do fato de que os ventos mudam as dunas de lugar, de forma que a paisagem se altera completamente sem deixar vestígio algum do que ela foi outrora. Em outras palavras, eu me perdi de novo no deserto.

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Na prática eu estou passando pelo rompimento de uma relação de 17 anos. Não são 17 semanas nem 17 meses. São 17 anos mesmo. Mais da metade da minha vida.

Tem dias que eu acho que vou morrer. Tem dias que eu tenho certeza. Tem dias que eu nem sei quem sou, para onde vou. Tem dias que levanto e sigo em frente sem saber para que lado estou indo. Se estou indo para trás, para frente ou se estou parada achando que estou seguindo. Tem dias que meus olhos embotam e eu não enxergo um palmo na minha frente. Tem dias que eu me sinto paralisada diante da vastidão do meu vazio. Tem dias que o choro se torna um urro, um murro no silêncio que reina nos meus dias. Tem dias que fico no escuro como se tentando não existir.

Estou expondo esse momento tão íntimo porque sei que não sou a primeira e nem a última pessoa que vai ser perder nesse deserto, que vai descer nesse vale sombrio e fazer essa travessia tão cruel. Estou expondo essa ferida porque ela não é minha, ela é de qualquer um que tenha sofrido por amor. Ou de qualquer um que esteja em processo de reconstrução de si mesmo, por qualquer motivo que seja. Nos últimos meses todos, perdida neste deserto, tenho não apenas sobrevivido, como também vivido "normalmente" a maioria dos meus dias. Não faltei ao trabalho, não negligenciei o meu filho, não me isolei do mundo, não deixei de bater ponto no #Steemit (<3), não deixei de ajudar as pessoas que precisaram de mim, não deixei de ter planos e projetos futuros, não deixei de cumprir com meus afazeres domésticos, não deixei de lado meus cuidados pessoais... enfim, vida que segue. Apesar dos pesares estou em pé, e por isso eu quis vir compartilhar esse momento com vocês, talvez para motivar alguém que possa estar precisando. Quem me deu a ideia de escrever sobre isso foi uma grande amiga que tem acompanhado esse processo, e que me pediu para eu falar sobre como estou conseguindo ficar de pé sem desabar. Vai lá então, espero que ajude alguém:

  • Eu não estou de pé sem desabar. Desabei várias vezes sim, literalmente. Acredito que não é bom resistir à dor quando ela chega. Deixa ela vir com tudo, te derrubar e nocautear mesmo, porque depois que ela faz isso, a brincadeira perde a graça e ela vai embora. No dia seguinte você vai acordar com a cara inchada da surra mesmo, mas pelo menos não vei ter que passar o dia inteiro lidando com a pressão de estar segurando um monstro feroz que vai tentar te derrubar a cada minuto. Aproveite quando estiver só e deixa para apanhar quando ninguém estiver olhando. Não tem jeito, infelizmente não tem como pular essa parte.

  • É normal achar que vai morrer ou enlouquecer enquanto estiver se entregando para a tristeza, a dor e/ou a raiva. É normal e legítimo. Mas não adianta chamar ninguém para ficar com você, a sensação vai ser a mesma ou então vai diminuir para voltar mais forte quando você estiver só. Parece difícil acreditar, mas a gente não morre nem enlouquece, mesmo que a sensação seja essa. O nocaute dói horrores mas não mata.

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me sentindo apanhando da Sarah Frota

  • Pense no médio e longo prazo, no que te faria feliz em alguns meses ou anos, o que ainda parece ter graça para você. Sem o vislumbre de uma conquista ou um futuro feliz, a coisa fica feia demais. A sensação é que depois da sova não tem porque levantar do chão. Tem que lembrar ou descobrir coisas que te interessam ou façam sorrir. Pode ser qualquer coisa mesmo. Eu tenho certeza que muito da minha força para levantar todos os dias vem das várias metas que coloquei para mim mesma. Algumas antigas outras recentes. Ver meu filho bem, manter meu projeto-de-vida-saudável, aprender mais sobre blockchain, ter "X" em altcoins, etc. e tal. A gente precisa ter um porquê para sair desse deserto, senão ficamos presos nele indefinidamente. Por mais boba que seja a sua meta, por mais sem sentido que os outros achem, se você tem vontade, vá atrás. Porque o importante não é atingir a meta, é ganhar energia e esperança para viver mais um dia. No começo do processo a gente não dá muita importância para nada porque estamos com a mente presa no sofrimento, mas se a gente vai insistindo, aquela meta vai tomando conta do nosso pensamento até que se torna imprescindível no nosso dia. Eu por exemplo odeio chá, mas faço questão de fazer o meu diariamente, e esse momento me deixa muito feliz, porque mesmo eu odiando beber aquilo, não abro mão deste momento de auto-cuidado. É um momento que me inspira amor-próprio e serenidade, fora a satisfação comigo mesma de cumprir com uma meta. Ah, isso é importante: comece com metas pequenas e tarefas simples, senão você vai desanimar antes mesmo de tentar, e o fato de nem ter tentado vai te deixar mais triste e aumentar seu sentimento de frustração com você mesmo. Depois das surras você vai precisar de auto-estima e alegria, e apenas a capacidade de sonhar e realizar nos traz isso!

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Acho que me delonguei demais, mas é porque está tudo recente e intenso dentro de mim. Sei que estou longe de sair desse deserto, mas a cada dia a jornada tem sido menos pesada e sofrida. Tenho aprendido a conviver com essa paisagem tão árida e ao mesmo tempo tão linda. E tão cheia de significados e com mensagens tão profundas. Tem dias que sigo o pôr-do-sol para não perder nenhuma nuance de cor no céu. Tem dias que fecho os olhos, sinto a direção do vento e sigo a que ele mandar. Tem dias que me distraio com alguma paisagem fabulosa nunca antes contemplada por mim. Tem dias que o silêncio soa como uma melodia e o choro como um alívio.

Estou aprendendo que mesmo sem saber onde estou e para onde eu vou, me sinto em casa porque me sinto dentro de mim. E que mesmo sem saber se estou seguindo em frente ou parada no meio do caminho, me sinto em paz porque me sinto parte desse deserto sem fim.

Desejo toda essa paz a quem dela precisa. <3
Como disse BNegão, o processo é lento e paciência é a sapiência do espírito.
Sigamos.

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